Brasil
Precisamos ocupar as ruas, diz criador do Médicos pela Democracia
Estarrecido com a recepção agressiva aos médicos cubanos em Fortaleza, cearense Manoel Fonsêca e parceiros tiveram a ideia de criar um grupo de médicos que pudesse fazer oposição à visão elitista de boa parte da classe médica. Surgia, então, o Médicos pela Democracia. Fonsêca tem esperanças de que o Brasil vai superar o golpe. Mas a luta é fundamental. “Precisamos ocupar as ruas em defesa da democracia e dos direitos sociais duramente conquistados. Não há outra saída: Diretas, já!”.
Naquele momento, Fonsêca e parceiros tiveram a ideia de criar um grupo de médicos que pudesse fazer oposição à visão elitista de boa parte da classe médica. Surgia, então, o Médicos pela Democracia.
O grupo começou pequeno, com menos de 15 profissionais, mas logo a proposta ganhou corpo. Hoje, são 180 médicos democráticos espalhados pelo Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Norte, Pernambuco e outros estados.
“Foi quando nós, médicos progressistas, vimos que não estávamos sozinhos”.
De lá para cá, o movimento passou a estar na linha frente dos principais protestos em Fortaleza pela defesa da democracia, do mandato da presidenta eleita Dilma Rousseff, pelos Mais Médicos e pela valorização do Sistema Único de Saúde ( SUS).
Formado no início da década de 1970 e torturado durante a ditadura militar (1964-1985), Fonsêca diz se espantar com o quanto a medicina se tornou um lugar de preconceitos e privilégios.
“Os médicos eram progressistas antigamente. De repente, passaram a se achar diferentes, mais importantes do que os outros. A medicina é uma profissão essencialmente humanitária, para aliviar sofrimentos. Essa arrogância é um negócio tão ridículo”, condenou.
Em sua trajetória profissional, o médico sanitarista atuou na Secretaria de Saúde, além de ter participado do processo de reforma sanitária e da implantação do Programa de Saúde da Família do Ceará. Ele também ajudou a criar a Escola de Saúde Pública do Ceará, onde viu os cubanos serem hostilizados pela “elite do jaleco branco”, como define.
Nascimento do grupo
“Os médicos brasileiros passaram a xingar os cubanos: ‘macacos’, ‘escravos’, ‘voltem para a senzala’. Parecia um corredor polonês”, relembra Fonsêca sobre o ato ocorrido na Escola de Saúde Pública de Fortaleza, em 2013.
Por causa das agressões e do posicionamento das entidades médicas contra a reeleição de Dilma, nasceu a ideia de criar o grupo, mesmo Fonsêca tendo críticas à presidenta e ao PT.
“O Médicos pela Democracia publicou dois manifestos contra o golpe em jornais, passamos a participar de atos pela democracia. O grupo unificou profissionais que não aceitavam a intolerância e a arrogância de parte da classe médica. Houve um entusiasmo muito grande entre os médicos de esquerda.”.
“Os médicos progressistas se sentiam meio sozinhos. De vez em quando aparece um médico e diz: ‘que bom, eu não estou sozinho. Que alegria ter encontrado vocês’. Está sendo uma experiência muito gratificante”, conta.
Ele explica que o grupo também se articulou com entidades de outros setores, como o Mulheres do Ceará com Dilma, o Levante Popular da Juventude e o Retroceder Jamais.
Mais Médicos
Fonsêca faz questão de explicar a diferença entre os médicos dos Mais Médicos e boa parte da classe médica nacional.
“Os médicos elitistas têm a visão de que, por deter parte do saber, podem submeter as pessoas ao seu conhecimento. É uma visão de autoridade sobre o corpo das outras pessoas. Eles, também, não conseguem admitir que um médico cubano vá ao interior do interior. Eles acham que os cubanos estão usurpando um lugar que é deles. Mas eles próprios não vão”.
“Os cubanos vieram inverter a relação médico e paciente. Os profissionais dos Mais Médicos tratam as pessoas como gente: examinam, tocam, conversam, visitam em casa. Os médicos da elite não fazem a mesma coisa porque não gostam de perder tempo com os mais pobres”.
Ele explica, ainda, que a discriminação de parte dos médicos contra os pobres se percebe inclusive nas faculdades.
“Há o preconceito até entre os alunos. Ainda mais agora com o Enem, com o Fies e outras alternativas que os mais pobres estão chegando cada vez mais às universidades”.
Para ele, a luta dos Médicos pela Democracia ajudou a equilibrar o discurso de ódio entre os médicos.
“Os médicos da elite jamais esperavam que a gente fosse dar a cara a tapa, assinasse manifestos, publicasse no jornal de maior circulação da cidade. Esses atos fizeram com que eles arrefecessem um pouquinho, ainda mais depois que ficou evidente a quantidade de políticos corruptos que lutavam pela saída de Dilma. Eles eram muito arrogantes”.
Todos precisam do SUS
De acordo com Fonsêca, o SUS resolve muitos problemas de saúde pública, até em intervenções de alto nível, como transplantes renal e cardíaco. Ele lembra, ainda, que todos precisam e utilizam o sistema de saúde pública brasileiro de alguma forma.
“Todas pessoas precisam do SUS, por causa da vigilância sanitária e epistemológica, controle de endemias, vacinação”, afirma.
Para ele, o grande problema do SUS é o atendimento de emergência, por falta de recursos e pela alta procura por vezes sem necessidade da população, já que as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) muitas vezes não resolvem a questão.
Fonsêca afirma que o maior ataque o governo golpista de Temer pode causar à saúde brasileira é o congelamento de recursos.
“Estamos em um processo de envelhecimento populacional, com todas as questões de saúde que se acarreta disso, e de repente se congela os recursos financeiros. O problema será grande porque dificulta a atenção primária e a secundária”.
O médico sanitarista tem esperanças de que o Brasil vai superar o golpe. Mas a luta é fundamental.
“O governo usurpador e ilegítimo de Michel Temer não deve ter trégua para pisotear a democracia, destruir direitos conquistados, jogar a soberania nacional na bacia das almas e entregar o pré sal a multinacionais petroleiras”.
“Precisamos ocupar as ruas em defesa da democracia e dos direitos sociais duramente conquistados. Não há outra saída: Diretas, já!”.
Livros escritos por Fonseca
Apesar das palavras firmes, Fonsêca, que nasceu em Quixadá, no interior do estado, e hoje mora em Fortaleza, mantém tom e gestos dóceis. É autor de sete livros livros, alguns de poesia, dedicados a saúde pública, à democracia e ao poder das mulheres.
O seu preferido é “Iracema – Nosso amor”, uma compilação de contos e poesias escritos para a bióloga Iracema Serra Azul, a sua esposa dos últimos 46 anos.
Ambos foram presos e torturados pelos militares pela luta contra a ditadura.“Soubemos superar porque eu e a minha companheira sempre tivemos uma relação muito afetuosa”, afirma.
Em um dos textos, escrito durante sua prisão no Instituto Penal de Fortaleza (a acusação era de subversão), Fonseca escreve à amada, sonhando com a liberdade: “Minha menina (…) Vamos à praia com os pirralhos e também dar um passeio por nossa Fortaleza, a terra de Iracema. De mãos dadas como dois namorados”.
Fonte: Portal PT Notícias
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