Alckmin mira saúde da sua popularidade com testes da fosfoetanolamina
Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), na capital paulista, dá início nesta segunda-feira (25) aos testes clínicos com a pílula do câncer; governo busca créditos políticos com a iniciativa
por Cida de Oliveira, da RBA publicado 23/07/2016 13:45
A2IMG/GILBERTO MARQUES
São Paulo – O Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), na capital paulista, dará início nesta segunda-feira (25) aos testes clínicos com a fosfoetanolamina sintética – mais conhecida como pílula do câncer, embora seja uma cápsula. Nessa primeira fase, que envolve dez pacientes, será avaliada a segurança da dose atualmente utilizada. Se não houver efeitos colaterais graves, a pesquisa continuará com 210 pacientes, sendo 21 portadores de dez tipos de tumores: cabeça e pescoço, pulmão, mama, cólon e reto (intestino), colo uterino, próstata, melanoma, pâncreas, estômago e fígado.
"Nós estamos com muita esperança de que isso possa trazer um avanço no tratamento das neoplasias", disse o governador Geraldo Alckmin (PSDB), na quinta-feira (21), no Palácio dos Bandeirantes, durante coletiva para anunciar o início dos testes tão aguardados por milhares de pessoas que lutam contra o câncer e por seus familiares, que depositam suas esperanças nos supostos efeitos benéficos da fosfoetanolamina.
E frisou: "Quero destacar o empenho de São Paulo para, de um lado, prestigiar a pesquisa científica feita dentro da Universidade de São Paulo, no Instituto de Química de São Carlos, e o rigor científico para comprovar a eficácia do medicamento e a nossa esperança de que isso possa trazer um avanço para a ciência e para a cura dos pacientes."
Há oito meses, Alckmin recebeu, na sede do governo, o pesquisador aposentado do Instituto de Química de São Carlos (IQSC/USP), Gilberto Orivaldo Chierice, que há mais de 20 anos sintetizou a substância associada, conforme relatos de pacientes com diversos tipos de câncer, à melhora na saúde após o seu uso.
Naquele encontro, com a presença de outros pesquisadores, do secretário estadual da Saúde, David Uip, de parlamentares e do então ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB), Alckmin entregou ofício ao peemedebista, pedindo aprovação do uso compassivo da substância e informou sobre o projeto de testes clínicos em hospitais da rede pública estadual para avaliar sua eficácia em até mil pacientes. Em um mês, o desenho da pesquisa clínica estava concluído e enviado para a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligado ao Ministério da Saúde.
A decisão do governo paulista foi tomada em meio à polêmica envolvendo a substância. De um lado, a mídia conservadora e as sociedades médicas levantando o tom contra a falta de comprovação científica necessária, que teria levado à proibição da distribuição gratuita em São Carlos, a pacientes de diversos pontos do país, assim que Chierice se aposentou, em 2014.
De outro, todas essas pessoas que afirmavam experimentar melhora, e seus familiares, acionando a Justiça para obrigar o estado a continuar distribuindo. Tamanha repercussão levou o caso para audiências públicas inclusive no Congresso Nacional.
Segundo o secretário estadual da Saúde David Uip, há em torno de 18 mil liminares contra o Estado para a continuidade da distribuição. Uma situação "sui generis", conforme o oncologista Paulo Hoff, diretor-geral do Icesp. "Pelo interesse da população, pelo número de pessoas que fizeram uso, que entraram com ação na Justiça, é muito importante darmos à sociedade uma resposta definitiva quanto à eficácia do produto", disse Hoff.
Chama a atenção a coincidência da grande polêmica em torno do tema e a decisão do governo de fazer os testes justamente numa época em que sua popularidade ia a níveis inéditos desde 2001. Nos dias 25 e 26 de novembro, o Instituto Datafolha fez pesquisa que apontou que seu governo era bom ou ótimo para apenas 28% dos entrevistados.
Entre as razões, o desastre na gestão da água, que levou à pior da crise de abastecimento da história, com os reservatórios secando a olhos vistos apesar das negativas do tucano. E a condução desastrosa do projeto de reorganização da rede estadual, que numa tacada só pretendia fechar 94 escolas em todo o estado. Contrários, os alunos passaram a ocupar suas escolas com o apoio de professores, pais e de toda a sociedade. Apesar da violência policial fora e dentro dos muros escolares, só começaram a desocupar quando Alckmin anunciou a suspensão do processo logo após demitir o então secretário da Educação Herman Voorwald. No entanto, não é novidade que o governo segue a reorganização, de maneira velada, mesmo com a proibição do Tribunal de Justiça.
"Não sei se há interesse econômico ou político por trás disso. Eu acho que pode existir sim, mas, independente de qualquer coisa, importa que ele pegou cinco centros oncológicos, estabeleceu um desenho para os testes clínicos para início das fases 2,3 e 4. É o que eu quero: testes sérios que obedeçam os protocolos da Anvisa, que utilize a metologia correta, para isso ter um final", disse sobre Alckmin o defensor público da União no Rio de Janeiro, Daniel Macedo, em seminário realizado pelo Sindicato dos Farmacêuticos de São Paulo (Sinfar-SP), no começo de junho, em São Paulo, para discutir a fosfoetanolamina. Por considerar o direito das pessoas doentes a uma alternativa de tratamento existente – sem com isso afirmar que a substância seja garantia de cura – Macedo defende o direito desses pacientes em ações coletivas.
Seja como for, a decisão de Alckmin de testar uma substância promissora que por ventura vier a ter sua eficácia comprovada e assim colocar fim ao sofrimento de pessoas que hoje lutam pelo direito de acesso às cápsulas, guarda semelhança com outra história envolvendo colega de partido, que dela tirou muitos dividendos políticos.
Em 1999, o ministro da Saúde do tucano FHC – o atual ministro interino das Relações Exteriores, José Serra (PSDB) – aprovou lei que teria, segundo propaganda tucana, criado os genéricos. Na verdade, Serra regulamentou um decreto do então ministro da Saúde de Itamar Franco, Jamil Haddad, baseado em proposta do médico e deputado Eduardo Jorge, na época filiado ao PT, que criava os genéricos. Ou seja, os genéricos já existiam antes de Serra.
No caso da fosfoetanolamina, se a eficácia e segurança forem comprovadas conforme os rigores dos testes que custarão ao estado algo em torno de R$ 580 mil, Alckmin deverá ser o "pai da cura do câncer". Ninguém nem se lembrará dos atrasos na vacina da dengue, do Butantan. Às voltas com a falta de recursos principalmente estaduais, foi prometida para 2017, mas não deve ficar pronta antes de 2021, segundo especialistas.
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